Para economista, sinais de retrocesso do governo interino de Michel Temer são comparáveis aos esquemas tradicionais da República Velha, em que só os brancos e políticos profissionais tinham voz no poder.
Marcio Pochmann*
Poucos dias após ascender, o início do conjunto do governo Temer rapidamente moldou o retrato legítimo de uma ponte para o passado. Ao mesmo tempo em que saíram de cena os laços da política fundada pela Nova República (1985 – 2016), constituída com o apoio fundamental do PMDB na transição da Ditadura Militar (1964 – 1985) para a universalização do voto, apareceram sinais de retrocesso comparáveis aos esquemas tradicionais da República Velha (1889 – 1930).
A herança inegável do Brasil do século 19 não deixa o imaginário atual da política nesta segunda metade dos anos 2010, quando tomada por governos sem votos, exclusivamente masculinos, ricos e políticos profissionais consagrados em eleições fraudadas. Isso porque até o ano de 1932, por exemplo, o sistema eleitoral da República Velha era o da chamada democracia censitária, cujos requisitos definiam a participação de somente homens alfabetizados e com propriedade e renda acima de um limite mínimo.
Dessa forma, procurava-se iludir a população com o argumento do despreparo da população e de que o elitismo dos dirigentes políticos permitiria obter o melhor para o País com políticos profissionais, os mais ricos, brancos e alfabetizados. Prevaleceu, assim, o atraso em várias dimensões, com a exclusão do sistema político nacional dos homens pobres, dos analfabetos e das mulheres.
O resultado do sistema político elitista da República Velha oriunda do século 19 era participação inferior a 5% da população no processo eleitoral. Somente com homens, brancos, letrados e ricos, a política era algo estranho ao povo, que desconhecida inclusive o que era cidadania e a força de suas decisões.
Do governo Temer iniciado no dia 12 de maio de 2016, o retrato inicial que fica para a posteridade é o de sua formação exclusiva por políticos profissionais carimbados, todos do sexo masculino, brancos, ricos e quase sem votos. Ao excluir qualquer tipo de representação proveniente daqueles que não vivem exclusivamente da política, dos pobres, dos homens não brancos e das mulheres, chega-se ao legítimo governo herdeiro da República Velha.
Ainda é cedo para admitir a similitude da foto do governo atual com o conteúdo do século 19 das políticas públicas a serem adotadas. Mas os sinais iniciais apontam a intenção de finalizar o conjunto marcante das políticas constituídas pelo ciclo político da Nova República, especialmente com a dilapidação do que for possível da Constituição Federal de 1988 e dos avanços democráticos e participativos.
Isso não parece distante, se considerar o viés político ultraconservador e de condução hiperliberal da economia adotado imediatamente pelo governo Temer. Temporário, possivelmente corre o risco de se tornar, mesmo com todo o apoio midiático e, sobretudo, do interesse rentista nacional e especulativo internacional.
Ao se mostrar cada vez mais um governo impopular, cuja resposta à crise do capitalismo brasileiro passa ao largo do tradicional receituário (neo ou hiper) liberal, o retrocesso ganha impulso, para além do que já foi possível identificar nestes primeiros dias do governo Temer. Infelizmente, o aprofundamento da recessão sob o tecido social e o avanço da crise financeira e, na sequência, bancária para o segundo semestre do ano, não poderá ser detido com receituário recuperado do álbum de fotografias do século 19.
A resposta a isso está em gestação acelerada. O segundo semestre de 2016 será vibrante e inesperado.
* Professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas.
FOTO: Marcelo Casal Jr/Agência Brasil