Opinião: Governo Temer e o retorno da Nova para a Velha República

16 de maio de 2016

Para economista, sinais de retrocesso do governo interino de Michel Temer são comparáveis aos esquemas tradicionais da República Velha, em que só os brancos e políticos profissionais tinham voz no poder.

Brasília - O presidente interino Michel Temer durante cerimônia de posse aos novos ministros de seu governo, no Palácio do Planalto (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

Marcio Pochmann*

Poucos dias após ascender, o início do conjunto do governo Temer rapidamente moldou o retrato legítimo de uma ponte para o passado. Ao mesmo tempo em que saíram de cena os laços da política fundada pela Nova República (1985 – 2016), constituída com o apoio fundamental do PMDB na transição da Ditadura Militar (1964 – 1985) para a universalização do voto, apareceram sinais de retrocesso comparáveis aos esquemas tradicionais da República Velha (1889 – 1930).

A herança inegável do Brasil do século 19 não deixa o imaginário atual da política nesta segunda metade dos anos 2010, quando tomada por governos sem votos, exclusivamente masculinos, ricos e políticos profissionais consagrados em eleições fraudadas. Isso porque até o ano de 1932, por exemplo, o sistema eleitoral da República Velha era o da chamada democracia censitária, cujos requisitos definiam a participação de somente homens alfabetizados e com propriedade e renda acima de um limite mínimo.

Dessa forma, procurava-se iludir a população com o argumento do despreparo da população e de que o elitismo dos dirigentes políticos permitiria obter o melhor para o País com políticos profissionais, os mais ricos, brancos e alfabetizados. Prevaleceu, assim, o atraso em várias dimensões, com a exclusão do sistema político nacional dos homens pobres, dos analfabetos e das mulheres.

O resultado do sistema político elitista da República Velha oriunda do século 19 era participação inferior a 5% da população no processo eleitoral. Somente com homens, brancos, letrados e ricos, a política era algo estranho ao povo, que desconhecida inclusive o que era cidadania e a força de suas decisões.

Do governo Temer iniciado no dia 12 de maio de 2016, o retrato inicial que fica para a posteridade é o de sua formação exclusiva por políticos profissionais carimbados, todos do sexo masculino, brancos, ricos e quase sem votos. Ao excluir qualquer tipo de representação proveniente daqueles que não vivem exclusivamente da política, dos pobres, dos homens não brancos e das mulheres, chega-se ao legítimo governo herdeiro da República Velha.

Ainda é cedo para admitir a similitude da foto do governo atual com o conteúdo do século 19 das políticas públicas a serem adotadas. Mas os sinais iniciais apontam a intenção de finalizar o conjunto marcante das políticas constituídas pelo ciclo político da Nova República, especialmente com a dilapidação do que for possível da Constituição Federal de 1988 e dos avanços democráticos e participativos.

Isso não parece distante, se considerar o viés político ultraconservador e de condução hiperliberal da economia adotado imediatamente pelo governo Temer. Temporário, possivelmente corre o risco de se tornar, mesmo com todo o apoio midiático e, sobretudo, do interesse rentista nacional e especulativo internacional.

Ao se mostrar cada vez mais um governo impopular, cuja resposta à crise do capitalismo brasileiro passa ao largo do tradicional receituário (neo ou hiper) liberal, o retrocesso ganha impulso, para além do que já foi possível identificar nestes primeiros dias do governo Temer. Infelizmente, o aprofundamento da recessão sob o tecido social e o avanço da crise financeira e, na sequência, bancária para o segundo semestre do ano, não poderá ser detido com receituário recuperado do álbum de fotografias do século 19.

A resposta a isso está em gestação acelerada. O segundo semestre de 2016 será vibrante e inesperado.

* Professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas.

FOTO: Marcelo Casal Jr/Agência Brasil

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