Jornalista e escritor foi a atração principal de seminário aberto realizado pelo Sindicato dos Bancários e Financiários de Novo Hamburgo e Região.
Felipe de Oliveira felipecomuica@gmail.com
Cerca de 150 pessoas foram ao Sindicato dos Bancários e Financiários de Novo Hamburgo e Região nesta terça-feira, dia 24, discutir a crise política e econômica que se abate sobre o país. Ouviram o jornalista e escritor Juremir Machado da Silva (foto) dizer que “o Brasil é um país de golpes”. Com o apoio dos sindicatos hamburguenses dos Comerciários, Metalúrgicos e Sapateiros, o seminário aberto teve como título “Mídia e sociedade em contexto de crise. Desafios e Perspectivas para os trabalhadores”.
Além do painelista principal, participaram da mesa o presidente da Central Única dos Trabalhadores no Rio Grande do Sul (CUT/RS), Claudir Nespolo, o coordenador da Secretaria de Organização Política e Sindical dos Bancários de NH e Região, Everson Gross, e a diretora da Federação dos Trabalhadores em Instituições Financeiras do Rio Grande do Sul (Fetrafi/RS), Denise Corrêa. Prestigiaram o evento sindicalistas de outras categorias, vereadores da região e o deputado estadual Tarcísio Zimmermann (PT).
“Esse é um golpe diferente, que tem a mídia como parte dos negócios aos quais interessa a queda da presidente Dilma”, denuncia Nespolo. O presidente da CUT/RS refere-se ao processo de impeachment que tramita no Congresso Nacional e que já afastou a presidente Dilma Rousseff (PT), ascendendo ao poder o vice, Michel Temer (PMDB). Já a diretora da Fetrafi-RS se diz chocada. “Essa é uma conjuntura que eu jamais pensei enfrentar, mesmo na nossa democracia frágil”, revela Denise Corrêa.
Ambos os sindicalistas entendem que o golpe institucional em curso no país tem como propósito principal retirar direitos trabalhistas e sociais conquistados à custa de muita luta e reiteram a necessidade de mobilização dos trabalhadores e dos setores progressistas da sociedade de modo a impedir retrocessos.
SESSÃO DE AUTÓGRAFOS – No final da atividade, Juremir Machado da Silva autografou sua obra mais recente, “1964, golpe civil-midiático-militar” (Sulina, 2014), adquirida pelos presentes a preço diferenciado. Durante sua fala, o jornalista fez um resgate histórico dos golpes institucionais que o Brasil sofreu, desde a proclamação da República ao golpe atual.
Acusadores, juízes e beneficiários
“É um golpe que surpreende a cada dia; é um golpe que agora tem uma ata”, diz Juremir Machado da Silva, em alusão à gravação em que o senador Romero Jucá (PMDB), ex-ministro do Planejamento do governo interino de Temer, é flagrado articulando uma tentativa de abafar as investigações da Operação Lava-Jato, da Polícia Federal, e defendendo, para tanto, o afastamento de Dilma Rousseff. O áudio foi divulgado pela Folha de S. Paulo no início da semana e culminou com o afastamento do senador do ministério.
Juremir denuncia o que entende ser um processo cujos acusadores são também juízes e beneficiários, citando o senador Antonio Anastasia (PSDB), que relatou o processo de impeachment na comissão especial do Senado. “Esperamos que Jucá revele quem são os ministros do STF [Supremo Tribunal Federal] que se articulam com ele no golpe. O Gilmar Mendes não precisamos citar porque a gente já sabe”, defende o jornalista, provocando risadas entre o público ao falar do ministro do STF ainda indicado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do PSDB.
Golpe hipermoderno
Para Juremir Machado da Silva, trata-se de um golpe hipermoderno. Sai a censura, entra o espetáculo midiático: tudo é transmitido 24 horas, ao vivo. “É uma simulação de um processo transparente, que garantiria o direito à ampla defesa. O resultado, no entanto, já estava definido desde o seu início.” Ele refere a obra “A sociedade do espetáculo”, do escritor francês Guy Debord, para corroborar com a opinião: “Debord diz que a lógica que orienta a imprensa baseia-se na ideia de que ‘o que é importante aparece; o que aparece é importante’, justificando mostrar só o que lhe interessa.”
Impeachment sem crime de responsabilidade
O argumento central para a caracterização do processo de impeachment como golpe institucional, sustenta Juremir, é a ausência de crime de responsabilidade cometido por Dilma Rousseff. “Não estou dizendo que não houve corrupção no governo, todos sabemos que houve”, ressalva. “Mas não é este o tema do processo que corre no congresso nacional.”
O jornalista revela que nas dezenas de entrevistas que conduziu no programa “Esfera Pública”, que apresenta na Rádio Guaíba, os golpistas (como chama os defensores do impeachment) falam 30 segundos sobre as pedaladas fiscais e os decretos assinados por Dilma e o resto do tempo tergiversam: inflação, corrupção e afins.
Dormimos e acordamos no parlamentarismo
Irreverente, Juremir brinca com a articulação que se deu no Congresso Nacional, comanda pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB), presidente afastado da Câmara Federal por ser réu no STF. “Dormimos e acordamos no parlamentarismo. Só que falta a parte mais importante: a dissolução desse Congresso corrupto e novas eleições”, argumenta. “Agora, basta ter maioria no parlamento e um pretexto para afastar um presidente. Só que no presidencialismo não é assim. É preciso aceitar o resultado das eleições.”
Ele denuncia, ainda, o papel da oposição no processo. “A lógica é a do quanto pior, melhor: Dilma não poderia concorrer em 2014 – se concorresse, poderia ganhar; Dilma não poderia assumir – se assumisse, poderia governar; Dilma não poderia governar – se governasse, a gente teria que derrubar… Derrubaram!”
Para o jornalista, o Brasil foi “descoberto” a 17 de abril, não 22 (data oficial da chegada dos portugueses). A metáfora refere-se ao show de horrores que foi a votação da admissibilidade do processo de impeachment na Câmara Federal, no dia 17 de abril de 2016, quando deputados evocavam suas famílias, Deus, até torturadores e outras distorções para justificar seus votos.
Governo ilegítimo
O argumento de que Michel Temer teria os mesmos 54 milhões de votos conferidos à Dilma Rousseff nas Eleições 2014 é refutado por Juremir ao destacar que os golpistas tentam desvincular as contas de campanha dos dois, objetos de processo no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). E mais: diz que se os votos são os mesmos, o governo interino de Temer deveria manter o mesmo programa eleito. “Os brasileiros elegeram um programa que eu chamaria de social-democrata. O programa de Temer é neoliberal-radical, representado em 2014 por Aécio Neves e rejeitado nas urnas.”
PT precisa se reinventar
Negando a acusação de ser petista – que outrora fora de que era neoliberal ou ainda ligado ao PSOL, partido pelo qual diz ter simpatia -, o jornalista se reivindica anarquista; e critica o Partido dos Trabalhadores (PT). “O PT é um pouco vítima de si mesmo: não fez a reforma política, não mexeu nas estruturas da comunicação… Avançou em questões sociais? Sim, avançou. Mas são migalhas perto da manutenção das estruturas de poder no país”, avalia. “O PT precisa se reinventar.”
Golpes na América Latina
Lembrando que a embaixadora dos Estados Unidos no Brasil, Liliana Ayalde, exerceu a mesma função na época dos golpes institucionais de Honduras e do Paraguai, Juremir não descarta a intervenção estadunidense no processo de impeachment de Dilma e uma tentativa de impor suas políticas na América Latina – especialmente as econômicas. “É fácil a compreensão de que isso seria ‘teoria da conspiração’. Mas não parece muita coincidência a embaixadora ser a mesma?”, questiona.
Mídia apreendeu a dar golpe
“Quer saber o que está acontecendo no Brasil? Leia a imprensa estrangeira”. Citando o estadunidense The New York Times e o Le Figaro, da França, onde concluiu seu doutorado em Sociologia da Cultura, Juremir Machado da Silva destaca a denúncia que os jornais estrangeiros tem feito quanto ao afastamento de Dilma Rousseff: uma presidente contra quem não há denúncias de corrupção afastada por corruptos.
O jornalista encerra avaliando o papel da mídia brasileira no golpe. “Para agradar a mídia, basta três propostas: reduzir investimentos em educação; reduzir investimentos em saúde; cortar programas sociais.” Ele considera, ainda, ao comparar o apoio da mídia ao Golpe de 64, que instaurou a ditadura militar no Brasil, que, hoje, num golpe brando, os veículos de comunicação tradicionais “aprenderam a dar golpe”.
FOTOS: Felipe de Oliveira/Bancários de NH e Região