Enfraquecimento do BNDES compromete a indústria e a identidade nacionais, diz Lessa

11 de setembro de 2017

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O governo de Michel Temer (PMDB) modificou as taxas de juros cobradas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), aproximando os novos patamares aos praticados pelo mercado privado. Sobre o tema, o Brasil de Fato conversou com Carlos Lessa, economista carioca que presidiu o banco entre 2003 e 2004, no primeiro governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sobre o discurso e a orientação neoliberal do banco que fazem dele uma instituição colocada à disposição pelo governo.

Discípulo de Celso Furtado, aos 81 anos de idade Lessa permanece convicto na possibilidade de o Brasil se tornar um país desenvolvido econômica e socialmente. No entanto, ele afirma que as condições atuais para a concretização desse sonho são adversas: “estamos vivendo um momento de perda de identidade nacional”. Confira a seguir a entrevista.

Muitos dizem que a mudança nas taxas de juros do BNDES (de TJLP para TLP) enfraquecem o diferencial com o mercado privado e ataca a própria razão de o banco existir. O senhor concorda?

Basicamente é isso. Um banco de desenvolvimento é um banco que, tendo uma visão de futuro, aproxima essa visão do real mediante linhas de crédito favorecidas a quem avança naquela direção. Na verdade, é um construtor de futuros. É fundamental para isso ter algum elemento básico para atração do investimento privado. O setor público pode inclusive assumir um pedaço do risco, subscrevendo um pedaço do capital da futura empresa.

São procedimentos que criam, para quem acessa eles, condições para realizar os investimentos que materializam a proposta de desenvolvimento que o país tem. A premissa principal, portanto, é que deve existir uma proposta de desenvolvimento. Deve existir um projeto nacional. Se não existe, o banco pode construir uma hipótese de projeto nacional. Aliás, o BNDES o fez mais de uma vez ao longo de sua trajetória. Porém, o único modo de exercitar esse projeto é tendo a possibilidade de criar um elemento diferencial a favor de quem materializa o projeto.

Dando um passo atrás: por que não deixar o desenvolvimento para os bancos de investimento privados?

Como o processo de desenvolvimento industrial não é um projeto isolado de uma empresa, o banco, ao assumir o compromisso de desenvolver um conjunto de empresas, cria, ao mesmo tempo, um conjunto de mercados futuros. Por isso, tão importante quanto dispor da possibilidade de dar uma ‘voltagem’ a quem acolhe a diretiva, é a necessidade da concretude adjetiva, fazendo com que um conjunto de protagonistas a assuma. Essa é a capacidade diretiva do banco de desenvolvimento, que por definição não é um banco de investimento.

O banco de investimento, pelo contrário, recebe empresas que já tomaram suas decisões e que vão verificar qual melhor modalidade para materializá-las. O que o banco de investimento faz é combinar as necessidades possíveis que podem ser atendidas e como podem ser atendidas, para que a trajetória já determinada se realize. Banco de investimento dá concretude a decisão microeconômica. Banco de desenvolvimento cria realidade macroeconômica, por isso ele é fundamental para um país que está na periferia.

O papel que cumpre o BNDES para o Brasil é chave para o processo de transformação produtiva do país. Aqueles que estão achando que é possível acabar com o BNDES devem responder uma pergunta: o Brasil já está desenvolvido?

O BNDES passou por uma reorientação nos anos 80 e, principalmente, 90. Promoveu privatizações. É possível comparar o atual momento do banco com aquelas duas décadas?

O que hoje o Banco está passando eu tenho muita dificuldade de perceber. Eu acho que ele está atravessando um período de enorme vulnerabilidade, porque o discurso e a orientação neoliberal fazem dele uma instituição colocada em disponibilidade. Curiosamente, eu não vejo o setor privado se mover para protegê-lo.

Ainda é possível um projeto que combine capital produtivo e trabalho?

Em todas as sociedades de ponta, países desenvolvidos, a inserção do trabalho se deu dentro das possibilidades e potencialidades da economia em movimento. Houve um momento em que a chamada socialdemocracia passou a ser a orientadora do destino de grande parte do destino das economias de ponta do planeta.

Hoje, eu diria que ideologicamente esta posição está enfraquecida. Eu não sei exatamente a razão, mas eu diria que teria que ser procurada em certas transformações que o mundo vem passando. Uma delas, sem dúvida, é o crescente peso e poder de decisão dos negócios externos, extranacionais. Não vou dizer internacionais, vou dizer que não são ligados ao território nacional. Isso daí vem crescendo em velocidade e intensidade que objetivamente colocaram de lado, nos países que já ocupam posições fortes, a ideia de desenvolvimento.

O consenso de Washington declara que o desenvolvimento só é possível com as regras pré-keynesianas, ou seja, mínima intervenção do Estado, principalmente no que diz respeito aos fluxos de gasto. A chamada minimização do gasto público. Essa ‘sugestão’ está por trás da orientação de instituições como Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial, impondo aos países periféricos condições que os afastam de seus projetos de desenvolvimento.

Mas cabe a quem a elaboração desse projeto nacional, se nem mesmo os setores do capital teriam interesse…?

A briga não é pelo futuro, é pelo presente que cada empresa pode conquistar. Claro que, para isso, ela acaba tomando decisões relativas ao seu futuro. (Se) a sociedade nacional não tem um projeto claro, o que acontece é que a decisão da empresa vai ser a decisão que melhor tiver sucesso na perspectiva de preservar seu próprio mercado e eventualmente crescer no mercado de outros. Essa lógica pode estar subordinada a um projeto de nação ou não. O que o neoliberalismo diz é que a nação emerge como figura derivada do jogo das empresas, o que não é verdade.

Continua a questão: quem elabora o projeto nacional?

Historicamente, os atores ideológicos do desenvolvimento brasileiro não foram empresários, com exceção talvez de uma figura como Roberto Simonsen. Em sua maioria, vieram de quadros do setor público. Foram projetos que se desenvolveram na ideia de que seria possível construir uma nação nos trópicos.

Diante de algumas tentativas interrompidas, o senhor ainda guarda o sonho da superação do subdesenvolvimento?

Eu guardo como sonho. O que pode-se perguntar é se as condições para esse sonho estão favoráveis. Não estão. Estamos vivendo um momento de perda de identidade. Nós estamos em um processo de abrir mão das ideias em torno da nossa identidade nacional.

Quem é o agente político que empreende esse ataque à identidade nacional?

Não sei se há um agente mobilizado apenas por essa ideia. Existem várias visões, que convergem na ideia de abandonar o conceito de nação. Há uma vasta esfera de interesses localizada nas conexões que cada fração de capital guarda com frações de capital fora do país. Existem frações que têm acesso privilegiado a frações dominantes fora do Brasil. Não há uma padronização nisso. O que há de forma absolutamente inequívoca é a ideia de que a solução existe apenas para si e os outros que se lixem.

FONTE: Brasil de Fato

FOTO: reprodução / Contraf-CUT

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