Por Leandro Minozzo, médico, professor universitário, mestre em Educação e escritor
Fonte: Brasil 247
Houve uma verdade. Ela estava nas melhores bocas. “O SUS vai sair fortalecido dessa pandemia!”. Enfim, agora as pessoas dependeriam ainda mais da saúde pública e parariam de desdenhar de uma das nossas poucas conquistas sociais. A crise, o caos, o coronavírus transformariam as pessoas e fortaleceriam o SUS – não havia como ser diferente. E os profissionais de saúde, então? Heróis dignos de um começo cheio de palmas em sacadas. Não. Não tinha como esse desejo reprimido, de esperança, de correção de enorme injustiça deixar de se concretizar. A pandemia nos faria ter orgulho do SUS. Políticos cairiam na real e passariam a venerá-lo com reconhecimento e recursos. A defesa do SUS pautaria as eleições municipais e, quem sabe, a de 2022. Lá em março eu imaginava que passaríamos a ouvir e ler tanto sobre SUS, SUS e SUS que teríamos ele como motivo sólido de orgulho. Qualquer material com as três letras ocuparia o símbolo de brasilidade roubado pela camiseta amarela. Artistas nas lives homenageariam nossa saúde pública. As hashtags #SUS, os trend topics, as faixas de agradecimento se espalhariam Brasil afora. Faríamos como os britânicos com o seu sistema público e também universal, o NHS.
Olha que até certo momento, quando o ex-ministro Mandetta usava nas coletivas um colete com a cruz azulada do SUS, havia essa possibilidade. Quando as palavras entusiasmadas do ex-secretário João Gabbardo apontavam um rumo, quando havia a perspectiva da chegada de 14 mil respiradores. Havia espaço para aquela verdade.
Passaram-se dois meses e o sistema venceu, não o SUS, mas o que dele se aproveita. Prefeitos, vereadores, deputados, senadores, governadores… conseguem emendas, anunciam em lives as estatísticas de casos e de recuperados. Quem ganha os méritos, como tem sido nesses 30 anos, são os abutres do SUS. Quando há dificuldades, culpam o SUS; quando chega recursos para uma unidade de saúde, para novas obras, estampam suas caras e logomarcas. Nojo!
Nas últimas semanas, parece que o SUS parou de salvar vidas, de ampliar leitos, de se desdobrar na falta de recursos. Parece que o SUS, em seus trabalhadores, não está adoecendo e morrendo.
Ninguém fala da Emenda Constitucional 95 que estrangula o SUS e fará isso por mais longos 17 anos. A queda dessa emenda era certa: a PEC da Morte, enfim, morreria. Mas nada disso aconteceu.
Eu sei: temos tantos assuntos para comentar. Vídeos, falas perversas, estatísticas que nos entristecem, assustam e paralisam.
Porém, o SUS precisa de todos. Seus profissionais precisam do apoio popular em todas as formas. Digo isso não só pelo reconhecimento por tudo que estão fazendo agora, mas pelos próximos anos. As medidas de ajuste econômico virão pesadas sobre as estruturas do SUS. Muito provavelmente, estados e municípios poderão escolher investir o mínimo em saúde (plano do Paulo Guedes), assim como a estrutura preventiva do SUS poderá receber ainda menos recursos.
A sociedade só melhorará nessa pandemia caso considere a maior das solidariedades, a que dura, a que alcança milhões, e ela é a valorização do SUS.