Em um terreno onde o verde se queima, o azul dos mares ganha o preto do óleo, o governo lança o contrato de trabalho verde e amarelo (sic) para efetivamente mostrar que o amarelo não mais corresponde às riquezas do Brasil. Foi contaminado pelas queimadas da Amazônia e, combinado com o verde, ficou nocivo, transformando-se efetivamente na bandeira da precarização.
A desordem e o retrocesso definitivamente ganham o seu auge nessa Medida Provisória n. 905, de 2019.
Faremos no momento seguinte uma análise item a item da formulação governamental. Por ora, porém, é preciso bradar que a MP n. 905/2019 trata a grande riqueza do país, que é o trabalho de seu povo, como produto de segunda linha. Essa é a diretriz da medida formulada: o trabalho e quem trabalha não têm valor e devem servir aos interesses do capital.
Não há como não imaginar que os incentivos fiscais gerados para novos empregos em breve não sejam invocados para novas reformas, já que o discurso da previdência deficitária e de que não temos arrecadação para saúde e educação sempre serão as gritas imediatas como justificativas a onerar quem trabalha. De imediato, a MP escancara uma realidade nacional.
A discriminação é incentivada, pois as novas condições somente se aplicam aos que possuem entre 18 e 29 anos, algo vedado no artigo 7º da Constituição federal, que no inciso XXX proíbe que haja diferença de salário ou no critério de admissão por idade.
A MP em seu escopo de criação do contrato precário cores do meu Brasil logo de início estimula padrões asiáticos. Contratados pela nova modalidade terão seus salários limitados a salário-mínimo e meio. Recolhimentos do FGTS no percentual de 2% (hoje 8%), indenização na dispensa alterada de 40% para 20%. Agora sim! Poderemos competir com os tigres, pagamos salários que vão incentivar uma produção baseada no rugido do leão. Será? Com a contratação dessa nova massa de mão de obra, o setor econômico passa a gozar de isenções da contribuição previdenciária patronal, como também daquelas do sistema S.
A contribuição não recolhida para previdência será compensada com a criação de outra, dessa vez recaindo para aqueles que já nada possuem. Os desempregados serão os responsáveis. Perdem seus empregos e pagam para a alegria do patronato (seguro- 2 desemprego). Por sua vez, o sistema S, que tem contribuição com educação profissionalizante, cultural e incentivadora para desenvolvimento, em nome dos novos contratos, deixa de receber suas contribuições. Convenhamos que é natural em um governo não afeito à educação e à cultura. Mas o velho leão sem dentes não se limita a criar o contrato cores da bandeira. Ele também, para mostrar que seu forte não é buscar um ambiente saudável, justo e obediente às leis no mundo do trabalho, flexibiliza ainda mais as normas da CLT.
Naquilo que dela restava, de imediato, presenteia o setor financeiro: jornada de seis horas somente válida aos caixas. Até poderíamos imaginar que essa medida seria para o tempo de funcionamento das máquinas eletrônicas, as quais dia pós dia são substitutas da pessoa humana na execução da atividade, a tecnologia que avança sem qualquer consequência onerosa para quem troca os homens/mulheres por robôs.
Nas ondas das revogações, a Lei n. 4.178/62 deixa de existir, para agora permitir o trabalho aos sábados nos bancos. Em um gesto de sensibilidade com os setores financeiros e daqueles cuja atividade implique riscos, também securitizam o adicional de periculosidade: agora as empresas poderão trocar o adicional de 30% que é pago pelo trabalho em condições perigosas para remunerá-lo no percentual de 5%. Para tal basta a existência de um seguro, que efetivamente não tem qualquer parâmetro para sua fixação.
Também o trabalho em dias que eram destinados ao repouso é plenamente flexibilizado, muito embora “Deus acima de todos”, a Medida Provisória transforma o domingo como um dia de trabalho, com folgas nesse dia cada vez mais raras. A folga semanal preferencialmente aos domingos como prevê a Constituição (artigo 7, inciso XV), no setor industrial transforma o mês em 7 finais de semana, afinal, o calendário terraplanista.
A medida também mexe no campo previdenciário, alterando as condições para a reabilitação do trabalhador afastado no que se refere a sua recuperação. O programa criado pela MP avança a sanha arrecadadora sobre eventuais valores pagos pelas empresas condenadas judicialmente ou compromissadas em termos de ajuste de conduta, apropriando-se destes recursos para executar ações e obrigações estatais. É claro que custos merecem proteção, pois quem não paga jamais pagará de forma real outra vez.
Altera-se as medidas de atualização monetária e juros relativos aos débitos 3 trabalhistas, deixando a atualização de corresponder aos juros de 1% ao mês para passar a valer os juros da poupança. Um incentivo para o empregador verde e amarelo! Como se não bastasse flexibilizar a lei, o governo entende necessário relaxar a fiscalização do trabalho, alterando sistema de multas por descumprimento de ordem legal, agora com valores mais suaves e procedimentos de apuração e decisão com muito maior possibilidade de abrandamento decorrente do não atendimento e cumprimento da lei.
A medida traz inconstitucionalidades, mas isso não bastou, ela é abundante em apresentar um novo modelo de produção fundado na precarização do trabalho. Enfim, o trabalhador e o trabalho não merecem o amarelo de riqueza que um dia significou a bandeira brasileira.
LBS Advogados, nos próximos dias, divulgará quadro completo com as alterações promovidas.
Brasília, 12 de novembro de 2019.
Eduardo Surian
Matias Fernanda Giorgi
Antonio Megale