75 milhões de brasileiros querem saber se poderão se manifestar democraticamente a partir de janeiro

29 de outubro de 2018

Congresso1

Ainda não entendemos se por linhas tortas ou retas o Brasil corre o risco de sofrer um singular golpe dentro do golpe, a confirmar a nossa indiscutível liderança da imbecilidade política mundial. Temíamos que os golpistas de 2016, na ausência de um seu candidato potável, inventassem uma nova exceção para cancelar o pleito. Prender Lula não era garantia bastante ao projeto posto em prática desde o impeachment de Dilma Rousseff.

As ameaças do capitão ecoam sinistramente o tempo em que comunista comia criancinhas, enquanto no ar pairava o anátema: Brasil, ame-o ou deixe-o. Bolsonaro não é um hipócrita, diz o que pensa ao negar os valores democráticos baseados no respeito da diversidade, na prática do diálogo e no livre debate. A se ouvir o tonitruante capitão, a democracia passa a ser sonho impossível de um povo que raríssimas vezes se aproximou dela.

Mas, sejamos claros, Bolsonaro sujeita-se à esperteza marqueteira do seu “Posto Ipiranga”, o economista Paulo Guedes, defensor do neoliberalismo extremado, embora seja sincera a continência à bandeira dos EUA. Não está sozinho na ribalta, exalta-o o apoio dos generais, da ativa e os de pijama.

Não é por acaso que a senhora Rosa Weber surgiu ao lado do general Etchegoyen para anunciar ao País que tudo corre às mil maravilhas no mesmo momento em que Bolsonaro esbravejava na Paulista. Mas que esperar de uma baixíssima Corte que desonra o Brasil, encabeçada por um certo Toffoli?

Esta Justiça desvendada é de longe a principal responsável pelo golpe de dois anos atrás. Poderia ter impedido o impeachment e o governo ilegítimo de Michel Temer, e também os desmandos da Inquisição curitibana, e não lhe faltavam o suporte e os motivos oferecidos pela própria lei. Na rota inversa, estreitou a aliança com as quadrilhas no comando dos outros dois Poderes da República.

Aviada a receita bolsonarista, ganharíamos, nós todos brasileiros, o papel de cobaias de nova fórmula golpista que se conecta com o neoliberalismo a infelicitar o mundo e, de certa forma completa e reforça a anterior, com o retoque do autoritarismo elevado à enésima potência.

Recomenda-se anotar que, a despeito de faltar até agora uma definição mais precisa dos rumos de um governo Bolsonaro, a essência está suficientemente clara, graças aos gestos e às palavras do capitão. Suas ameaças, proferidas em tom militaresco e português capenga, não deixam dúvidas, sem exclusão do anúncio da liberação do comércio de armas em um país recordista mundial em homicídios, cerca de 64 mil no ano passado.

Do antipetismo midiático brotou a terrificante conjuntura em que precipitamos. No fundo, cabe percorrer o enredo desde o início. Primeiro ato: o lançamento da Lava Jato. Segundo: a reeleição de Dilma. Terceiro: o impeachment, a condenação de Lula, enfim a prisão.

Estamos na véspera do quarto e o termômetro da tensão bate no teto. Neste enredo, a mídia entregue ao seu antipetismo uivante traiu deliberadamente a verdade factual para satisfazer os interesses patronais. Foi decisiva na manipulação da audiência, mas os seus profissionais chegaram, nesta véspera eleitoral carregada de justificados temores, a perguntar aos seus botões se porventura a ameaça Bolsonaro não os inclui. O caso da Editora Abril, cuja nau capitânia é Veja, implacável veículo de falsas informações: os filhos de quem levou a editora à ruína fugiram para Miami com 10 bilhões de dólares em segurança em paraísos fiscais sem  haver cumprido suas obrigações legais com algumas centenas de empregados.

É possível encher livros com as frases antidemocráticas, racistas, misóginas, homofóbicas e de glorificação da violência proferidas pelo próximo chefe de Estado brasileiro. Nos últimos dias, unidades da Polícia Militar invadiram universidades públicas, dissiparam debates sobre os “princípios da democracia”, fotografaram estudantes e confiscaram cartazes que alertavam sobre a eclosão do fascismo. Bolsonaro disse sobre as ações: “A universidade não é lugar de protesto.” Agora, os cerca de 75 milhões de brasileiros que não votaram nesse homem se perguntam, com razão, em que lugares ainda será possível se manifestar contra o presidente.

Também gostaríamos de saber. Por enquanto, cá estamos.

Edição: Alex Glaser

 

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