Advogados especializados na área estão fazendo as contas para avaliar se vale a pena para seus clientes aderir ao acordo entre bancos e poupadores prejudicados por planos econômicos dos anos 1980 e 1990. A principal crítica é a forte redução do montante que será pago às pessoas que aderiram ao acordo.
Há mais de 30 anos o Judiciário brasileiro vem julgando procedentes as ações judiciais em que os poupadores reclamam a reposição das perdas de suas contas de poupança ocorridas quando dos planos Bresser, Verão e Collor II.
Em 5 de março de 2009, a Confederação Nacional do Sistema Financeiro – CONSIF, tentando reverter jurisprudência pacificada há décadas, ingressou junto ao STF com um ADPF (arguição de descumprimento de preceito fundamental). Seu principal fundamento seria “a falência do sistema financeiro na hipótese de continuarem a ser julgadas procedentes as demandas dos poupadores”.
Por força de decisão proferida no RE nº 626307, a matéria relativa às perdas da poupança ocorrida nos planos econômicos ficou afetada ao STF (Tema nº 264), para julgamento e pacificação da jurisprudência. Por conta disso, desde 2015 os processos em que os poupadores reclamam suas perdas se encontram suspensos, até que a matéria fosse definida pelo Supremo.
O julgamento vinha sendo reiteradamente adiado pela Corte Suprema em face da alegada falta de quórum, já que diversos ministros se deram por impedidos para atuarem, por terem algum tipo de ligação com as instituições financeiras demandas.
Foi neste cenário que surgiu o terreno para um acordo que pusesse fim ao litígio. Os poupadores que estão a reclamar suas perdas em Juízo são pessoas, na média, com mais de 60 anos de idade (as perdas se deram no final da década de 80 e início dos anos 90). A falta de perspectiva de julgamento parece ter sido o combustível para se preferir um acordo que “resolvesse” o litígio de forma mais célere a se esperar indefinidamente por um julgamento do STF.
Mas qual o preço dessa solução negociada? Aparentemente o único ônus seria um deságio, que varia de zero a 19%, conforme o valor do crédito a ser pago a cada poupador. Porém, essas condições foram alvo de muitas críticas entre advogados especializados no assunto. Um deles é Alexandre Berthe, que tem diversos casos sobre planos econômicos e considerou os termos do acordo “um absurdo”, especialmente no que se refere ao cálculo da correção monetária. Isso porque os índices utilizados para corrigir o valor que poupadores teriam para receber resulta em montantes muito menores que as simulações feitas sob os critérios dos tribunais de Justiça estaduais.
Berthe cita o exemplo de um cliente que, pela correção monetária feita pelo sistema do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), teria cerca de R$ 5,9 mil para receber por perdas referentes ao Plano Bresser. Pela correção proposta no acordo, o advogado calcula que o montante cairia para R$ 1,2 mil.
Ele, no entanto, ressalva que essa avaliação leva em conta apenas as perdas monetárias, mas há ainda a questão subjetiva em torno do tempo de espera para receber o dinheiro.
O advogado das áreas bancária e trabalhista César Aguiar também calcula as perdas para os poupadores, e considera que o acordo é prejudicial para eles. “Fazendo uma simulação, se o poupador tinha 1 mil cruzeiros, pelo acordo ele vai receber R$ 4 mil. Mas levando em conta o que consta nos processos, pelos nossos cálculos, os mesmos 1 mil cruzeiros perfariam R$ 20 mil hoje”, explica.
O também advogado Roberto Ayusso Filho diz que vai recomendar a seus clientes que não aceitem o acordo. Junto com escritórios parceiros, ele cuida de cerca de 1,2 mil poupadores.
Ou seja: o critério de atualização monetária dos créditos, previsto no acordo, faz com que o valor devido fique em torno de 30% a 35% da cifra que o poupador receberia se seu crédito fosse pago com base nos critérios fixados pelos Tribunais de Justiça de cada Estado, o que implica um deságio de 65%. Já um poupador com uma perda de NCz$ 21.500,00 no Plano Verão, em fevereiro de 1989, receberia pelo acordo cerca de R$ 71.500,00 – enquanto que pelos critérios do tribunal gaúcho o valor seria de R$ 230 mil, representando um deságio de 69%.
O acordo recentemente homologado pelo STF, na verdade, se mostra excelente negócio para as instituições financeiras, que pretendem se livrar de suas dívidas pagando valores muito menores que os efetivamente devidos, e ainda assim de forma parcelada, pois o acordo prevê pagamento em até dois anos.
É claro que muitos dos cidadãos, premidos pela necessidade e, em muitos casos, pela avançada idade, se sentirão quase que coagidos a aderirem ao referido acordo. “Os bancos estão jogando com o desespero da população. Estamos numa crise, tem gente tão enforcada que vai aceitar qualquer coisa”, diz Ayusso Filho.
Muitos ainda estão indecisos, como é o caso do engenheiro eletrônico Roberto Su Kataoka, de 42 anos, que ainda não decidiu se irá aceitar a proposta para o pagamento das perdas dos planos econômicos das décadas de 1980 e 1990. Pela correção proposta no acordo, seu advogado calcula que o montante que ele tem a receber cairia de quase R$ 6 mil para R$ 1,2 mil. Se não aceitar, ele terá de esperar pelo andamento do processo, sem previsão de um desfecho. “Eu sei que não é vantajoso, mas ainda não decidi nada. Vou analisar o assunto”, diz o engenheiro.
Seus pais também têm dinheiro a receber, bem mais que ele, mas, como ele, não decidiram ainda. “Eles estão animados, querem usar o dinheiro para viajar e comprar”, conta o filho. Kataoka e seus pais já conseguiram ganhar na Justiça, em 2007, a causa pelas perdas do Plano Verão. “Mas no meu caso foi pouco porque era uma poupança que eu tinha quando era criança”, afirma. Ele lembra que teve de apelar para a ouvidoria do banco onde estava o dinheiro das poupanças dele e dos pais para conseguir os extratos. “O banco sabia que era para entrar com ação na Justiça, então eles demoravam para entregar”, diz. Para conseguir os comprovantes, segundo o engenheiro, foi preciso especificar o período exato – os meses e os anos. E o banco cobra por cada extrato separadamente. “Hoje estaria em torno de uns R$ 15”, diz Kataoka.
Apesar do risco de uma reviravolta na jurisprudência, o que seria absolutamente incompreensível, pois se trata de direito há mais de 30 anos reconhecido pelo Judiciário, entende-se que aquele poupador que puder aguardar não aceite a proposta de adesão e prossiga perseguindo seu direito em Juízo.
Fontes de pesquisa: G1/Espaço Vital