A reforma trabalhista e a banalização da mentira

27 de julho de 2018

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O jornal Correio do Povo trouxe, no dia 11 de julho, informe publicitário de 4 páginas em que foi noticiada a realização, em diversas cidades do Rio Grande do Sul, das chamadas “Jornadas Brasileiras de Relações do Trabalho”. Para além das opiniões de membros da Academia Brasileira de Direito do Trabalho – os três consultados eram, obviamente, favoráveis à reforma -, o encarte continha reiterados elogios ao Deputado Federal Ronaldo Nogueira (PTB-RS), classificando-o como “idealizador da reforma trabalhista” e “uma das autoridades no tema empregabilidade no Brasil”, dentre outros termos que, num informe publicitário pago e publicado três meses antes das eleições, podem ser facilmente confundidos com propaganda eleitoral antecipada.

O mais surpreendente da propaganda publicada, contudo, foi o desprezo pelo significado das palavras e a propagação de informações que transitam entre incorretas ou simplesmente falsas. É possível, claro, que as diferentes opiniões sobre sociedade, mundo do trabalho, economia, etc., levem pessoas a discordarem sobre a pertinência e o cabimento da reforma trabalhista. O que não se pode admitir, por outro lado, é que esse debate leve à propagação de informações falsas, como promoveu o encarte em questão.

Um dos pontos centrais do encarte é a divulgação do suposto fato de que a reforma trabalhista gerou empregos. Diz a propaganda (folha 4) que “Em 2018, nos meses de janeiro à maio, a média mensal ultrapassou 100 mil empregos gerados”, sendo que “Os primeiros 6 meses do ano, o saldo acumulado é da criação de mais de meio milhão de empregos”. Os dados anunciados, independentemente da opinião pessoal sobre a reforma trabalhista, são absolutamente falsos.

Os dados oficiais do CAGED (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, vinculado ao Ministério do Trabalho) demonstram, conforme publicado pela Folha de São Paulo no dia 08 de julho [1], que de novembro de 2017 a maio de 2018 o saldo nacional foi de criação de irrisórias 3,8 mil vagas de emprego. Dentre as vagas criadas no período, mais de 20 mil novos postos são de trabalhadores contratados na modalidade “intermitente” – o intermitente, vale recordar, é aquele trabalhador com carteira assinada que só trabalhará quando o seu empregador o chamar, sem carga horária mínima e que pode, portanto, passar o mês inteiro sem trabalhar sequer um dia e, consequentemente, sem ganhar sequer um real, gerando, ao fim, a ficção de uma vaga de trabalho que não existe de fato. Assim, descontando dos dados as questionáveis vagas de trabalho intermitente, o saldo de empregos pós-reforma é, na verdade, negativo.

A reforma trabalhista foi aprovada com base no argumento de que a flexibilização da legislação geraria empregos aos milhões, o que, como visto, está longe de se concretizar, mesmo que já passado um ano da aprovação da nova lei. É compreensível, nesse cenário, que os defensores da reforma queiram que a alteração tenha gerado empregos. Não se pode aceitar, no entanto, que formulem e propaguem informações mentirosas quando a realidade mostra, através de números e dados oficiais, que a reforma não atingiu esse objetivo anunciado.

Para além da informação incorreta sobre a criação de empregos, salta aos olhos a mentira divulgada pelo encarte no que diz respeito às horas extras. Ao elaborar uma comparação entre o antes e o depois da reforma trabalhista, a propaganda informa que, antes da reforma, “O trabalhador poderá fazer até duas horas extras diárias, com adicional de 20%”, sendo que, depois da mudança legislativa, “O piso da remuneração da hora extra passa a ser de 50% do valor da hora trabalhada”. Até as pedras sabem que a remuneração adicional da hora extra tem o piso de 50% do valor da hora normal desde a Constituição de 1988, que estabeleceu em seu artigo sétimo, XVI, que os trabalhadores possuem direito a “remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal”. É escancaradamente falso, portanto, que a reforma tenha alterado o valor recebido a título de horas extras pelos trabalhadores.

Não é possível crer que as informações incorretas propagadas tenham sido fruto de mero erro ou de desinformação, uma vez que as “Jornadas” anunciadas pela propaganda contam com as exposições de membros do Poder Judiciário Trabalhista, advogados renomados e estudiosos do Direito do Trabalho. É preciso admitir, nesse cenário, que a propagação de informações inverídicas foi efetivada a partir da escolha deliberada dos promotores do evento e da propaganda amplamente veiculada nos meios de comunicação.

Trata-se, aqui, de informações inverídicas propagadas com vinculação direta, no mesmo encarte, a pessoas que ocupam cargos públicos relevantes – dentre elas, o ex-Ministro do Trabalho do país. Em tempos em que se discute a crescente propagação de fake news, é preciso ter responsabilidade e compromisso com a verdade na divulgação de dados e informações, sob pena de promover uma verdadeira banalização da mentira.

Assim, independentemente das opiniões particulares sobre as alterações promovidas pela reforma trabalhista, os dados, que revelam a falha da previsão de criação de empregos, não podem ser simplesmente ignorados ou manipulados. Cabe, aos entusiastas das alterações legislativas, encararem o fato de que falharam nas suas previsões, não podendo se utilizar de palavras falsas para mudar a realidade dos fatos. Afinal, como definiu Graciliano Ramos, “A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer”. Que digamos, então, a verdade: além de precarizar as relações de trabalho e retirar direitos dos trabalhadores, a reforma trabalhista não criou, até o momento, novas vagas de emprego no Brasil.

Pedro Henrique Koeche Cunha, Advogado trabalhista

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