‘Coveiro da democracia quase eleito’, diz jornal alemão sobre eleição no Brasil

8 de outubro de 2018

coveiro da democracia

O resultado do primeiro turno das eleições 2018 no Brasil, que levou os candidatos Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL) ao segundo turno, repercutiu na imprensa internacional, que no entanto alerta para o risco de rompimento da normalidade democrática no país, em caso de uma eventual vitória do ultra-direitista.

Confira alguns dos destaques internacionais às eleições presidenciais brasileiras:

Süddeutsche Zeitung, Alemanha – Por que o coveiro da democracia pode se tornar presidente  Por um momento, na noite de domingo no Brasil, parecia que um novo presidente havia sido eleito. Um presidente que é chamado de coveiro da democracia porque vocifera contra as minorias, glorifica a ditadura e declara que não quer reconhecer qualquer outro vencedor a não ser ele mesmo. Mas não a coisa não foi tão ruim assim – pelo menos não por enquanto. Seu incrível sucesso se baseia em parte num ódio generalizado e já irracional contra o PT de Lula e Haddad, que governou por anos. Por outro lado, ele liderou uma campanha profissional de fake news nas redes sociais, onde recentemente explorou politicamente um real ataque a faca que sofreu no início de setembro. O grande empresariado do Brasil, os investidores do mercado de ações, os partidos conservadores, partes do sistema judiciário e dos meios de comunicação, os militares e, não menos importante, as igrejas evangélicas altamente influentes preferem apoiar um incendiário de direita a um candidato do PT.

Süddeutsche Zeitung, Alemanha – Bolsonaro, um alerta para o mundo  O sucesso do extremista de direita no primeiro turno da eleição presidencial mostra que o anseio por slogans fáceis, radicalismo e promessas milagrosas que não podem ser cumpridas atinge cada vez mais pessoas. O candidato de extrema direita Jair Bolsonaro venceu, como esperado, o primeiro turno da eleição presidencial brasileira – surpreendente foi apenas a enorme distância para o segundo colocado. Isso é chocante porque, antigamente, pessoas como Bolsonaro costumavam chegar ao poder por meio de golpes militares, e não por processos democráticos. Que muitos cidadãos queiram voluntariamente tornar alguém como ele chefe de Estado mostra a que ponto chegou a democracia brasileira. A ascensão de um homem que incita ao ódio contra minorias, elogia a ditadura militar como exemplo e que, no início do ano, ainda era visto como sem chances de vencer é um sinal de alerta – não só para a democracia no Brasil, mas para o mundo inteiro.

El País, Espanha – Candidato ultra, Bolsonaro obtém uma grande vitória no primeiro turno  Um político autoritário, racista, machista, homofóbico… Um adorador da ditadura que mergulhou o Brasil em um dos seus períodos mais sombrios durante 20 anos. Jair Messias Bolsonaro, o defensor dos valores mais retrógrados, esses que andam às soltas pelo mundo descontroladamente, acaricia a presidência do país sul-americano. Nenhuma pesquisa conseguiu avaliar o crescimento exponencial do líder da extrema direita. A última, divulgada no sábado à noite, apontou que ele obteria cerca 40% dos votos válidos, 6 pontos a menos do que os que conseguiu. A mesma falta de precisão como nos Estados Unidos, com a vitória de Donald Trump, o triunfo do Brexit ou a rejeição do processo de paz na Colômbia. Como já aconteceu, de fato, nas últimas eleições brasileiras. Quando tudo parecia apontar para um segundo turno entre Dilma Rousseff e Marina Silva, o candidato de centro-direita Aécio Neves prevaleceu sobre Silva. No final, Dilma recebeu 54 milhões de votos e Neves, 51. O Brasil ficou dividido ao meio e, desde então, o país parece à mercê dos elementos. Agora, tem diante de si o desafio de impedir que o caminho autoritário que cavalga pelo mundo se consolide em seu país ou de dar uma lição em defesa dos valores democráticos.

Le Figaro, França –  Brasil: Bolsonaro vence primeiro turno  Defensor ardente da ditadura militar, ele acredita que o erro da ditadura “foi torturar em vez de matar”. Na votação para o impeachment de Rousseff, ele dedicou seu voto à família, às Forças Armadas, à luta contra o comunismo e à memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, famoso torturador durante a ditadura. Sobre os homossexuais, ele diz: “Eu seria incapaz de amar um filho homossexual. Eu preferiria que ele morresse em um acidente de carro.” Sua recente ascensão se deve muito à sua aproximação com os evangélicos, muito influentes no Brasil e no Parlamento. De origem católica, ele foi batizado por um pastor em Israel em 2016. Ele também seduziu grandes proprietários de terra ao planejar legalizar o porte de armas e liberalizar um pouco mais o uso de pesticidas. 

The New York Times, EUA – Jair Bolsonaro vai ao segundo turno, após quase se eleger no primeiro  Embora vários dos vizinhos do Brasil tenham politicamente virado à direita nos últimos anos, uma vitória de Bolsonaro, um populista conservador que se une a um crescente número de líderes anti-establishment em todo o mundo, seria uma mudança conservadora sísmica. Críticos de Bolsonaro e analistas políticos observaram sua ascensão com alarme, temendo que ele possa se tornar um líder autoritário nos moldes de Recep Tayyip Erdogan, da Turquia, e Rodrigo Duterte, das Filipinas.A ascensão de Bolsonaro foi possibilitada pelas divisões políticas que racharam o país nos últimos anos. Embora alguns eleitores tenham permanecido leais ao Partido dos Trabalhadores – que governou de 2003 a 2016 – por seus esforços para melhorar a vida dos pobres e da classe trabalhadora brasileira, muitos passaram a responsabilizá-lo pelas dificuldades financeiras e econômicas dos últimos anos. Milhões de brasileiros abraçam hoje entusiasticamente a abordagem radical de Bolsonaro em relação a lei e ordem – mesmo que isso signifique matar inimigos políticos, que foram temas frequentes para o candidato.

E os próximos dias?

O certo é que agora começam 20 dias de profunda ansiedade e incerteza. O que se pode prever do comportamento de Bolsonaro? Ele participará de debates televisionados com Haddad ou manterá sua estratégia de priorizar as redes sociais? Até agora, sua tática de não se expor mais do que o necessário deu-lhe resultados surpreendentes. Por outro lado, sua campanha se solidificou com muitas mentiras e notícias falsas, especialmente nas redes sociais e comunicadores instantâneos, como o WhatsApp. Bolsonaro não teria essa votação se ficasse claro que a democracia está em risco. Que os direitos das pessoas estão em risco. Que as empresas públicas estão em risco.

“O método das eleições é do século passado. A candidatura do Bolsonaro prova. A Justiça eleitoral é do século passado. Ela não está apta para monitorar e coibir o que aconteceu de estranho no processo. O uso de internet para passar notícias falsas. Precisamos de uma reflexão profunda de que sociedade é essa. Precisamos rever as instituições que não dão mais conta dessa fase em que estamos”, argumenta o economista Márcio Pochmann.

“Uma das maiores lutas dos democratas neste segundo turno será tentar reverter esse cenário de disseminação de mentiras via redes sociais. Há um risco iminente de quebra da democracia com uma vitória da extrema-direita que validaria o golpe de 2016.  Isso com finalidade de aplicar uma agenda austera e de desconstrução do Estado de bem-estar social: Sairíamos do neoliberalismo para um hiper neoliberalismo. A destruição do Estado está presente na candidatura do Bolsonaro. Agora, precisamos de uma agenda civilizatória e democrática contra a barbárie que se aproxima”, finaliza Pochmann.

Edição: Alex Glaser

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