Perversidades da Reforma Trabalhista já se concretizaram, destaca juíza do trabalho

18 de setembro de 2018

São Paulo 11 11 2017 A reforma trabalhista, que altera mais de cem pontos da CLT, foi provada em julho, mas as regras só entram em vigor no dia 11 de novembro. Enquanto o governo argumenta que a flexibilização das leis permitirá criação de mais empregos formais, juristas e entidades dizem que as mudanças diminuirão a proteção aos trabalhadores, e muitas empresas ainda têm dúvidas sobre as novas regulamentações FOTO ALAN WHITE FOTOS PUBLICAS

Todos os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho, divulgados nesta semana, mostram que o contrato intermitente não engrenou: No primeiro semestre, apenas 3,4 mil postos intermitentes foram gerados. Números distantes do estimado pelo governo. A época da implementação da lei, a expectativa de Michel Temer (MDB) era a geração de 2 milhões de postos intermitentes em três anos. A modalidade trazida pela reforma trabalhista entrou em vigor em novembro de 2017. Este modelo é considerado como a “forma máxima de precarização”. E representa a formalização de trabalhos sob demanda. Nele, o trabalhador é convocado apenas quando o empregador considera necessário.

Em entrevista com a juíza do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da Quarta Região, Valdete Souto Severo, ela considera que o contrato intermitente não consegue superar o crescimento do trabalho informal no país justamente por ser tão precarizado.

No entanto a juíza alerta que uma série de retrocessos trabalhistas trazidos pela reforma já estão sendo concretizados, e por este motivo, se tornam ainda mais graves do que a modalidade intermitente. Entre as medidas, ela destaca o fracionamento das férias; o aumento da carga de trabalho para diferentes carreiras no modelo 12 por 36 horas; a facilitação da demissão; e a chamada “sucumbência recíproca”.

Confira a entrevista completa:

Qual sua opinião sobre o motivo do contrato intermitente não ter decolado?

Valdete Souto Severo: Essa estimativa de geração de 2 milhões de postos de trabalho era completamente aleatória. A expectativa do governo não tinha nenhuma base teórica de pesquisa que pudesse sustentá-la. De qualquer forma, o trabalho intermitente não tinha como criar novos postos de trabalho. O que talvez fosse a aposta de quem fez a reforma é que o emprego, a tempo pleno, se transformaria em trabalho intermitente, porque significaria redução de gastos para o empregador. O trabalho intermitente é tão mal regulado na CLT e é tão assustador, inclusive para quem emprega, que ele não está sendo utilizado como se imaginava. Não tem previsão de quantas horas a pessoa vai trabalhar por mês, não tem previsão de qual será a remuneração mínima. Então, mesmo para os empregadores é preocupante. Tenho certeza de que os advogados que orientam os empregadores falam sobre o risco de se ter isso rediscutido na justiça, porque a lei é confusa. Parece que as questões são: primeiro, essa previsão legal não tem como criar postos de trabalho, no máximo deslocar, precarizando; segundo, não deslocou como o governo esperava, porque é um risco muito grande para o empregado e para o empregador. Embora algumas empresas tenham adotado o contrato intermitente, minha impressão é que essa é uma previsão legal que não tem muito como dar certo. Isso porque torna o trabalho extremamente arriscado e a pessoa fica sem previsão nenhuma de quanto vai ganhar. Então, quem aceitaria, mesmo em uma realidade como a nossa? É precarizar demais!

Os altos índices do trabalho informal explicam porque os trabalhadores não estão sendo contratados no regime intermitente?

A lei é muito mal feita. Deixa muita margem para interpretações e coloca o trabalhador em uma situação tão precária quanto a da informalidade. É a regulamentação da precarização. Isso não faz sentido. Se é para ser assim, é melhor para o empregador fazer de maneira informal. Não estou dizendo que é o melhor para os trabalhadores ou para a economia. Quem já contratava garçons como freelances pagando só pelas horas trabalhadas vai continuar fazendo isso. Não faz sentido para o empregador e muito menos para o empregado. O que ele precisaria é ter os direitos assegurados na Constituição. Ele quer ter carteira de trabalho, não para que o governo possa dizer que aumentou o número de pessoas empregadas, mas porque quer salário certo no final do mês, quer um número certo de horas para trabalhar. O trabalho intermitente não assegura nada disso.

Essa modalidade de contratação vai engrenar em algum momento?

Eu acredito que não, porque, como te disse, é uma precarização que passa de qualquer limite. Todos os países que regularam formas parecidas com o trabalho intermitente não fizeram isso de forma tão precária quanto a CLT. Eles têm pelo menos o estabelecimento de um número mínimo de horas trabalhadas por mês. E se a empresa não chamar, depois de tanto tempo o contrato vai ser considerado rescindido. Tem algumas regras. O que foi colocado na CLT não tem regra nenhuma. Então, é muito difícil que decole.

Apesar dessa medida específica não estar sendo tão implementada, como você avalia as demais mudanças trazidas pela Reforma Trabalhista?

O trabalho intermitente é extremamente perverso, mas justamente porque não colaria, ele nem é o mais grave da reforma. Tem outras alterações muito mais perversas porque estão gerando efeitos concretos, como, por exemplo, a questão da sucumbência recíproca ou do trabalhador ter que pagar os honorários dos advogados caso não convença o juiz de que a ação trabalhista é procedente. Essa alteração, que não é tanto comentada, tem um efeito social prático muito mais grave, porque os empregados estão com medo de ir até a justiça do trabalho. Esse medo atinge a própria relação trabalhista. O empregador já está dizendo que não adianta nem reclamar, porque, se o empregado for para a justiça, ele pode sair devendo.

Fracionar férias é uma perversidade enorme, porque significa não ter efetivo descanso. O que, em determinadas atividades, significa levar o trabalhador à exaustão. O que pode aumentar o número de doenças profissionais e de acidentes no ambiente de trabalho. O trabalho intermitente é terrível, mas o efeito prático que ele está gerando não é o que há de pior na reforma. Ela é um pacote de maldades. Outro exemplo é a possibilidade do funcionário executar a jornada de 12 horas sem intervalo, isso nas atividades que têm o regime 12 por 36 horas, que geralmente é utilizada na área da saúde e segurança. Agora pense o efeito social não apenas para o trabalhador, mas para quem usa o serviço de saúde. Essa pessoa exausta não terá tempo para estudar e pensar no que está acontecendo. Em um país como o nosso, em ano de eleição, essas alterações de jornadas são superprejudiciais, tanto na perspectiva individual quanto na social. A facilitação da dispensa é outro exemplo do que está sendo aplicado. Tem muitas empresas fazendo dispensa coletiva. Então, o intermitente é uma das alterações nocivas dessa lei que é do início ao fim prejudicial para os trabalhadores.

Qual ponto da nova CLT está sendo mais aplicado?

Esses são os mais utilizados: a facilitação da despedida coletiva; o aumento da jornada, inclusive com supressão de intervalo; o acordo extrajudicial, que na maioria das vezes é só para obter do empregado uma quitação geral e impedi-lo de ir para a justiça do trabalho; e as alterações processuais. Essas fragilidades do processo trabalhista estão sendo aplicadas e são extremamente graves. Elas não só impedem o trabalhador que já perdeu o emprego de discutir em juízo seu direitos, como também causam um temor que faz com que os trabalhadores aceitem qualquer condição de trabalho por medo de perder o emprego e depois sair de lá ainda devendo.

Fonte: Brasil de Fato – Edição: Alex Glaser

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