Há uma crise global de dívida se aproximando?

4 de junho de 2018

A euro note paper boat on stormy seas

A Argentina pediu um resgate ao Fundo Monetário Internacional (FMI) depois de uma série de situações drásticas que levaram a uma forte queda do valor do peso, empurrando o país a uma crise financeira preocupante. O presidente Mauricio Macri, representante da direita neoliberal em seu país, decidiu recorrer ao Fundo, em medida anunciada em rede nacional de televisão, afirmando que a assistência internacional permitiria ao governo “evitar uma crise como as que se enfrentaram antes”. Pedir dinheiro ao FMI significará mais austeridade fiscal e um golpe aos níveis de vida de grande parte da população. Segundo um investidor estrangeiro, “a medida mais efetiva seria restringir os aumentos salariais”.

Nas últimas semanas, o governo de direita da Argentina se viu obrigado a elevar sua taxa de juros política (a que estabelece o piso de todas as taxas de crédito) de forma dramática, saindo de um já elevado 27% em abril para um 40% desde a semana passada. Em janeiro, o Banco Central argentino havia experimentado com a redução de sua taxa de juros, mas a medida não durou muito. Por quê? Três foram as razões.

Em primeiro lugar, devido aos investidores estrangeiros – que são a grande aposta das políticas de austeridade, embora sua presença seja mais favorável às empresas que apoiam o governo de Macri –, preocupados com a inflação que se mostrava fora de controle, e que por isso começaram a retirar seu capital do país. O próprio governo admitiu que a inflação havia aumentado 15% este ano. O peso argentino, a partir de então, começou a se desvalorizar em comparação ao dólar.

Em segundo lugar, o preço do dólar na Argentina começou a dar saltos desde o começo deste mês, devido ao temor de uma guerra comercial internacional, que sempre empurra os investidores à busca por um “refúgio seguro” em dólares, e porque a Reserva Federal dos Estados Unidos está pressionando com o aumento de sua taxa política, fazendo com que os investimentos em divisas de outros países sejam menos atraentes para os especuladores.

Em terceiro lugar, houve um forte aumento do preço do petróleo cru, como consequência dos esforços para encarecer o barril por parte do cartel da OPEP (Organização dos Países Produtores de Petróleo) no Oriente Médio Oriente e das crescentes tensões políticas entre os Estados Unidos e o Irã. Isso significa custos adicionais de importação de energia para muitas economias como Argentina, Turquia e África do Sul.

As economias com grandes déficits comerciais, alta inflação e aparentemente pouco controle sobre seu gasto público – e, sobretudo, altos níveis de dívida – são as mais vulneráveis à fuga de capitais dos investidores estrangeiros, e quanto isso citamos os mesmos exemplos: Argentina, Turquia, África do Sul, e outros países emergentes.

A desvalorização do peso argentino alcançou um valor mínimo histórico, provocando uma inflação ainda maior, e o preço dos bônus do governo caíram violentamente. Só no ano passado, o governo de Macri emitiu um bono a 100 anos, confiando em que o entusiasmo pelo fim da administração reformista kirchnerista de esquerda depois de 12 anos daria lugar a uma avalanche de demanda externa. O valor acabou se reduzindo atualmente a 83 centavos por dólar. Como o governo oferece mais de 6% de juros para esse bono, em comparação com o pouco menos de 3% para os bônus “seguros” dos Estados Unidos, o governo tem a esperança de frear a saída de capitais. O Banco Central torrou 5 bilhões de dólares de suas reservas de divisas em uma semana para conter o desastre, e promulgou três aumentos de choque na taxa de juros, tentando salvar o valor do peso.

Contudo, o aumento das taxas de juros nos Estados Unidos ameaça deixar muitas economias emergentes, e inclusive alguns setores empresariais, em novas dificuldades. Muitos vem pedindo dólares emprestado para cobrir seus déficits, para investir ou especular, e agora o custo da dívida deverá subir. A Turquia está com sérios problemas. A lira turca, assim como o peso argentino, está se desvalorizando fortemente, apesar da intervenção do Banco Central do país. O rendimento dos bônus em dólares subiu a novos máximos posteriores à crise e o mercado de valores caiu este ano em 22%, o pior rendimento de qualquer bolsa de valores no mundo – com exceção da Venezuela. Se o Banco Central turco elevar as taxas, como foi feito na Argentina, corre o risco de causar danos graves à economia local.

O maior perigo no horizonte é o fato de que o aumento progressivo das taxas de juros por parte da Reserva Federal poderia provocar uma crise das dívidas, sobretudo nas chamadas economias emergentes, já que os níveis de dívida estão alcançando patamares recorde nesses países. Também há o fato de que a dívida global está em um máximo histórico, porque os governos e as corporações se endividaram muito a taxas baixas, com o fim de estabilizar o sistema bancário e impulsionar os mercados de valores.

O Instituto de Finanças Internacionais (IIF), com sede em Washington, sustenta que, além de Argentina e Turquia, outros países como Ucrânia e África do Sul são relativamente vulneráveis a uma forte guinada do “apetite de risco” dos investidores estrangeiros. E reconhece que a dívida mundial aumentou em 21 trilhões de dólares em 2017, chegando a um total de 237 trilhões. É verdade que grande parte dessa dívida adicional se deve à China, e que se trata de uma economia muito mais capaz de administrar essa dívida. A maior parte dela é em moeda local, não em dólares e a China tem enormes reservas de divisas em dólares (3 trilhões, pelo menos), o que proporciona uma segurança diante de qualquer possibilidade de colapso.

Mas outras economias emergentes não estão tão bem preparadas. A dívida em dólares e euros desses países supera os 8 trilhões, ou seja, 15% da dívida total. Só a dívida da Argentina está em mais de 60% nas mãos de estrangeiros, enquanto a da Turquia tem mostrado um dos maiores aumentos desde o final da Grande Recessão, em 2009.

À medida em que as taxas de juros aumentam para esta dívida, seu pagamento se torna mais difícil. Segundo o IIF, as empresas com “problemas” representam atualmente mais de 20% dos ativos empresariais em países como Brasil, Índia e Turquia, e aquelas companhias cujos benefícios são maiores que os custos dos juros são cada vez menos. “Apesar das baixas taxas globais, muitas entidades não financeiras estão tendo problemas com o pagamento de dívidas”, aponta o IIF. Na Argentina, as taxas de juros para as empresas menores se situam por cima de 15%. “As empresas estão queimando seu capital disponível, e desde então já não podem obter um financiamento racional”, afirma o instituto. “As grandes corporações, com acesso fácil ao financiamento internacional, estão em melhor posição, mas as médias e pequenas empresas estão com muitos problemas”, concluem os  analistaa do IIF.

A contração se produzirá quando os benefícios corporativos em muitas economias comecem a cair, na medida em que aumentam os custos para os países em pagamentos de juros das dívidas. Minha última medição dos benefícios empresariais globais – sobre a base de uma média ponderada dos lucros nos Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Japão e China –, mostrou uma queda no último trimestre de 2017, pela primeira vez desde meados de 2016. Resta saber como serão os resultados no primeiro semestre de 2018.

Michael Roberts é economista marxista britânico e analista econômico, responsável pelo The Next Recession.

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